G1 – 30/11/2018 – Brasileiros atribuem bebida integral a hábitos saudáveis de vida, diferente de americanos e europeus. Fábricas voltadas ao mercado interno apostam em novos aumentos do volume per capita

Um mercado que cresce de 10% a 12% ao ano no Brasil está representando um salto nos negócios de pequenas empresas do interior de São Paulo, algumas da região de Ribeirão Preto, que envasam suco de laranja integral. Diferente dos Estados Unidos e da Europa, que reduzem o consumo desse tipo de bebida, o Brasil vê aumentar o interesse dos consumidores, o que traz uma perspectiva de ampliar ainda mais as vendas: em até cinco vezes nos próximos dez anos.

O suco integral de laranja não leva conservantes na composição. O único processo envolvido na produção, da extração até a garrafa ou copo, é a pasteurização. Primeiro, a temperatura é elevada a 90ºC e depois cai a 0ºC. O choque térmico elimina bactérias.

Entre as razões apontadas por especialistas para o contínuo incremento no consumo dos brasileiros está o fato de que eles relacionam o suco de laranja com hábitos saudáveis de vida, ao passo que, em outras regiões do globo, o produto é visto como calórico.

Outro fator foram os ajustes sofridos pelo mercado da fruta nos últimos anos. Com a queda nos embarques de grandes companhias, como a Cutrale, a Citrosuco e a Louis Dreyfus – consideradas as maiores e cujo foco é o comércio internacional –, uma das saídas do setor foi apostar no mercado interno.

Cerca de 80% da produção nacional de laranja se destinam à exportação de sucos concentrados. Isso porque o Brasil responde pelo abastecimento de 95% do mercado dos 40 principais países compradores. Mas, de 2003 a 2015, de acordo com a CitrusBR, entidade que representa os exportadores, houve redução de 19% no volume comercializado. Na contramão desse processo, quem olhou para dentro saiu ganhando.

Mudanças


É o caso da Sucos Spres, com sede em Ribeirão Preto. A empresa oferece nove sabores de suco, água de coco e açaí, mas tem no suco de integral de laranja seu carro-chefe. De acordo com o sócio-diretor Júlio Rodrigues Gutierrez, o crescimento da empresa tem sido, em média, de 10% ao ano, o que acompanha o comportamento do ramo no país. Mas existe potencial para pensar ainda mais alto. Isso porque muitos estados brasileiros, em que há demanda pelo suco, ainda não recebem o produto. É o caso das regiões Norte e Nordeste.

Com sete filiais e planos para construir mais uma, a empresa atende toda a região Sudeste, Goiás e Distrito Federal,no Centro-Oeste, além de Santa Catarina e Paraná, no Sul. Para os próximos anos, um dos objetivos é expandir esses domínios.

A Sucos Spres tem 27 anos de mercado. Foi fundada por Javier Gutierrez, que trabalhava na Citrosuco. No início da década de 1990, ele decidiu abrir sua própria empresa. Comprou uma máquina de extração de suco de laranja, que locava para bares e restaurantes. Depois, adquiriu mais uma. Mais tarde, percebeu que poderia agregar valor: envasar uma produção própria e distribuir para o varejo.

Na época, o número de fabricantes de suco voltados ao mercado interno era restrito. Nos últimos cinco ou seis anos, no entanto, a atividade ficou bastante aquecida. Segundo Júlio, um concorrente novo tem aparecido a cada seis meses.

De fato. Segundo a CitrusBR, de 1999 a 2009, o número de pequenas extratoras de suco de laranja no país subiu apenas de 22 para 26. Nos nove anos seguintes, porém, o aumento foi vertiginoso. Já são 79 delas, a maioria no estado de São Paulo, onde estão 80% da produção de laranja do país. A região de Ribeirão Preto foi uma das que viram esse processo acontecer. Diante disso, entre os projetos da Sucos Spres, está o de intensificar a atuação regional.

A dinâmica da oferta e procura da fruta também mudou. Quando a empresa começou, havia mais laranja no mercado do que a capacidade de consumo. Aos poucos, isso se inverteu. Hoje, a demanda é maior.

Equilíbrio


Um dos resultados dessa alteração no cenário foi o aumento dos preços pagos pela laranja, o que trouxe um maior equilíbrio à cadeira produtiva nos últimos três anos. Agora em 2018, por exemplo, a caixa de 40,8 kg remunera cerca de 40% mais que no ano passado. Com isso, o agricultor passa a investir mais no pomar.

Matheus Kfouri Marino, vice-presidente do conselho da Cooperativa dos Produtores Rurais de Bebedouro (Coopercitrus), afirma que a laranja foi uma das culturas que mais incorporaram tecnologia. Quem decidiu manter a produção, direcionou esforços para a irrigação e técnicas para melhorar o adensamento das plantas.

Bebedouro já foi conhecida como capital da laranja. Mas os baixos preços da caixa e o alto número de pragas e doenças, que oneraram muito as propriedades rurais, aliados a propostas de arrendamento das áreas para plantio de cana-de-açúcar, com valores considerados compensadores, tiveram como resultado a desistência de muitos. Segundo a CitrusBR, cerca de 20% dos antigos produtores dizimaram seus pomares.

Para a safra 2018/19, a produção está estimada em 273,4 milhões de caixas, contra 398 colhidas na temporada anterior. O número será quase a metade da maior safra do país, a de 1999/2000, que chegou a 510,4 milhões de caixas.

Na visão de Marino, um dos desafios é manter o atual equilíbrio. Com uma situação que remunera melhor e permite investimentos, a produção pode voltar a subir nos próximos anos. Para não haver o risco de novas crises, o consumo precisaria acompanhar.

Potencial


Aumentar o consumo é um potencial real, segundo Eduardo Dutra, gerente administrativo da Naturacitrus, em Bebedouro,empresa que oferece outros sabores de suco, mas tem no integral de laranja 90% de sua produção. Um  dos argumentos dele para apostar em crescimentos ainda maiores é o baixo consumo per capita dos brasileiros.

De acordo com a consultoria Nielsen, empresa que pesquisa os principais mercados mundiais, apesar dos aumentos sucessivos, o país consome entre 60 a 70 milhões de litros de suco integral de laranja por ano. Se consideramos uma população de 210 milhões de habitantes, a média não chega a 350 ml por habitante/ano. O Reino Unido, por exemplo, que tem perto de 70 milhões de habitantes, consome um volume dez vezes maior que o do Brasil.

Para não perder oportunidades, o gerente da Naturacitrus alerta, porém, que o país precisa diminuir a carga tributária para as indústrias, o que pesa no preço do suco ao consumidor, geralmente mais alto comparado a refrigerantes e refrescos. “Apesar desse mercado estar crescendo, ainda é embrionário. Por outro lado, o suco de laranja é um produto com valor agregado alto e o preço na prateleira ainda acaba sendo uma barreira para o consumidor.”

A empresa evita falar em números, mas aponta que as vendas seguem a tendência do mercado. O parque fabril, que, em 1995, começou bem modesto, foi sendo ampliado e já está preparado para novas expansões. A capacidade instalada, segundo Dutra, poderia suportar um incremento imediato de 40% na produção.

A Naturacitrus foi criada por Luís Henrique Gallão, que enxergou um novo destino para sua produção de laranja. Até o ano 2000, ainda entregava uma parte do que colhia para exportadoras de suco. Até que decidiu reverter tudo para a própria fábrica, montada na fazenda onde está o pomar. Atendendo exclusivamente no mercado interno, com atuação em quatro estados brasileiros – SP, MG, PR e GO –, a empresa conta com 45 distribuidores. E projeta ampliar esse número.

Com o histórico de aumento nas vendas, a fábrica não é mais abastecida só com a produção de Gallão. Parte da matéria-prima é garantida por meio de parcerias com produtores da região. Para os próximos anos, ampliar o cultivo próprio também está nos planos.

Sobre a participação do suco integral na cadeia produtiva da fruta, Dutra afirma que ela é fundamental. “Ofertar para o mercado interno, além de ser bom para empresas como a nossa, ajudou a abrir o leque de possibilidades aos produtores e no equilíbrio do mercado.”