Valor Econômico – 15/02/2019 – Melhoras nas condições de venda para China, Coreia do Sul e EUA são as prioridades do segmento
Se o jogo transcorre sobre um mapa-múndi que muda de forma e encolhe conforme a areia enche a parte de baixo da ampulheta, para avançar não há alternativa a não ser atacar as fileiras adversárias de olho nos danos aos quais suas próprias bases estão expostas. Rapidamente.
Assim é o tabuleiro no mercado global de suco de laranja, cuja demanda em geral está em queda em meio a um lento deslocamento do consumo de países desenvolvidos para mercados emergentes e onde os exportadores se espremem entre preços relativamente baixos e aumento dos custos logísticos.
Tais “regras” estão sendo consolidadas há mais de uma década, e as indústrias exportadoras de suco brasileiro, que dominam mais de 80% das exportações, nunca precisaram tanto da ajuda do governo para defender seu quinhão e encontrar caminhos para tentar ampliá-lo.
Em recentes reuniões em Brasília nos ministérios da Agricultura e da Economia, a CitrusBR, que representa Citrosuco, Cutrale e Louis Dreyfus Company, que concentram os embarques, expôs sua agenda para tentar elevar, em até US$ 300 milhões, vendas que têm rendido cerca de US$ 2 bilhões por ano.
Essa agenda, que sem a ajuda do governo ficara no papel, tem três capítulos principais: China, Coreia do Sul e Estados Unidos. Nos dois países asiáticos, o consumo de suco de laranja tem crescido, ao passo que nos EUA, que também exportam a commodity, a ideia é aproveitar brechas geradas por problemas que ceifaram a oferta nos últimos anos.
Na China, diz Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBR, o problema é a variação tarifária que incide sobre a entrada do suco de laranja congelado e concentrado (FCOJ) a depender da temperatura. Até 18°C negativos, a taxa é de 7,5% sobre o valor da venda, mas de 17,9°C negativos para cima, passa a ser 30%.
As indústrias brasileiras exportam para o mercado chinês pagando a tarifa de 7,5%, mas para isso transportam o produto em tambores, e não a granel – ou seja, perdem escala e competitividade e veem suas margens diminuírem.
Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pela CitrusBR, na safra 2017/18, que terminou em julho, os embarques à China alcançaram 39,4 mil toneladas, 33,2% a mais que em 2016/17, e renderam US$ 79,9 milhões, um aumento de 45,6% na comparação.
É pouco diante de exportações que em 2017/18 totalizaram 1,15 milhão de toneladas (US$ 2,1 bilhões), mas os esforços em driblar a grande variação tarifária se justificam pelo acelerado ritmo de aumento do consumo de suco de laranja no mercado chinês.
Como já informou o Valor, estudo da consultoria Markestrat, com sede em Ribeirão Preto (SP), mostrou que, de 2003 a 2017, a demanda da China por suco cresceu 184%, para 130 mil toneladas, enquanto o mercado global recuou 21,6%, a 1,9 milhão de toneladas.
A queda foi determinada por um forte arrefecimento das vendas em mercados tradicionais como EUA, Alemanha e França, nos quais os exportadores de suco brasileiro fincaram há décadas suas bandeiras e nadaram de braçada enquanto o suco de laranja não enfrentava tantas bebidas concorrentes mais baratas.
E o tombo poderia ter sido maior, não fossem os investimentos brasileiros na promoção da bebida na Europa e o aumento das vendas de suco não concentrado (NFC) para aquele mercado, ainda o principal para o produto brasileiro no exterior.
Não há, portanto, fronteira melhor para tentar recuperar o brilho de outrora como a China. “Precisamos acabar com esse gatilho entre tarifa e temperatura, que não é usual no comércio internacional. Se as indústrias conseguirem a escala necessária [com vendas a granel], poderão inclusive investir em terminais próprios no país”, afirma Ibiapaba.
O dirigente esteve na embaixada chinesa em Brasília há algumas semanas e acredita que esse avanço com infraestrutura própria naquele país não enfrentará resistência de Pequim, porque a produção local é basicamente formada por mexericas e o mercado chinês de laranja de mesa é quatro vezes maior que o de laranja para a produção de suco.
No que se refere à Coreia do Sul, o problema começa na América do Norte. Ocorre que EUA e México negociaram com Seul a derrubada da tarifa ad valerem de 54% que continua a incidir sobre o suco brasileiro, e a CitrusBR confie que nas negociações entre Mercosul e Coreia do Sul, que estão começando, essa desvantagem poderá ser corrigida.
Segundo dados da entidade, o Brasil chegou a vender 30 mil toneladas ao mercado coreano quando as condições concorrenciais eram isonômicas, mas nos últimos anos o volume zerou. Recuperar o volume perdido não será difícil, desde que no governo aja para derrubar a taxa que hoje só prejudica o Brasil.
Essa perda de vendas para os EUA na Coreia do Sul, por outro lado, reforça a certeza dos exportadores de suco brasileiro que é possível ampliar os embarques para o mercado americano, de preferência a partir do fim da tarifa de US$ 415 por toneladas que onera o FCOJ do Brasil nas exportações para os Extados Unidos.
Mesmo com a taxa, os EUA já são um importante destino das vendas, já que a produção da Flórida caiu na última década por causa do avanço da doença conhecida como greening nos pomares. Mas quem tem conquistado mais espaço no copo do Tio Sam é o México.
Em meados da década passada, lembra Ibiapaba, os mexicanos exportavam cerca de 30 mil toneladas de suco para os EUA, enquanto o Brasil chegava a embarcar 200 mil toneladas. Hoje, o volume brasileiro caiu para 140 mil toneladas e o mexicano se aproxima de 120 mil.
Com a produção local limitada pelo greening e a boa rentabilidade das exportações americanas, raciocina Ibiapaba, tem sobrado pouco suco, a preços salgados, para o mercado doméstico, e o Brasil pode aproveitar a lacuna.
“Com o carimbo ‘made in Flórida’, o suco americano sai do país com prêmios. Não precisamos competir nessa faixa. O suco brasileiro já representa 25% do consumo nos EUA e essa fatia pode crescer. Chegamos a responder 25% do consumo nos EUA e essa fatia pode crescer. Chegamos a responder por 90% das importações americanas, mas hoje ficamos com entre 50% e 60%”, afirma. Nesse processo, o fato de as indústrias brasileiras manterem produção nos EUA pode ser considerado um trunfo.